segunda-feira, 16 de março de 2009

A Disneylândia do Criacionismo


Movimento americano vai inaugurar Museu da Criação, onde nega Darwin e
defende versão bíblica literal

Em menos de três meses, será inaugurado nos EUA o museu que promete se transformar na Disneylândia bíblica dos fundamentalistas cristãos.

Localizado no coração do chamado “cinturão da Bíblia”, entre os Estados de Kentucky, Ohio e Indiana , o Museu da Criação será o primeiro dedicado à origem da humanidade na versão biblicamente correta.

Adão e Eva, Tyrannosaurus rex, pterodáctilos e a Arca de Noé coexistem no museu, que custou US$ 27 milhões (em doações de fiéis) e levou três anos para ser construído.

“O museu é um passeio pela história da humanidade: provamos que a teoria da evolução está errada e que a ciência confirma a Bíblia”, disse ao Estado Mark Looy, porta-voz e um dos fundadores do museu.

O museu foi idealizado pela Answers in Genesis (Respostas no Gênesis), companhia multimídia que se dedica a disseminar idéias criacionistas. Os criacionistas não acreditam na teoria da evolução de Darwin, que ensina a seleção das espécies, e negam que o mundo tenha sido originado pelo Big Bang.

Para os criacionistas, o mundo foi criado ipsis litteris da maneira descrita pela Bíblia: a partir das ordens de Deus, em seis dias, há menos de 10 mil anos.

“Seria ótimo converter evolucionistas em criacionistas, mas sabemos que este objetivo é ambicioso”, diz Looy.

“Não somos ativistas, não vamos aos tribunais exigir que ensinem criacionismo nas escolas; mas acreditamos que o museu, além de nossos DVDs, livros e programas de rádio, vão mudar a cabeça das pessoas aos poucos.”

O programa de rádio do fundador de Answers in Genesis, Ken Ham, é veiculado por 820 estações nos EUA. O australiano Ham é autor do best-seller A Mentira: Evolução.

Outras formas de evangelização da empresa são bolsas de US$ 50 mil para estudantes que fazem pesquisas contrariando a teoria da evolução, com temas como “a determinação das idades dos fósseis com carbono 14 é questionável”, além de cruzeiros “cristãos” para o Alasca.

As atrações do museu são sofisticadas - foram projetadas pelo designer Patrick Marsh, o expert que criou as atrações Tubarão e King Kong da Universal Studios, na Flórida.

Um dos pontos altos será a Arca de Noé interativa: “Ande pela arca antes e depois do dilúvio e veja a exatidão histórica do dilúvio e da vida dentro da arca. Uma história real de No Limite - como Noé e sua família sobreviveram por 371 dias em uma arca cheia de animais”. Antes de entrar, os visitantes assistem a um filme sobre o dilúvio, com direito a vento e borrifos de água de verdade.

No quadro sobre Adão e Eva, o primeiro casal da Terra será acompanhado por dinossauros animatrônicos - ainda que, na história geológica, o Homo sapiens nunca tenha convivido com os grandes répteis. O museu terá também planetário, manuscritos raros da Bíblia e uma atração com as diferenças entre os paleontólogos criacionistas, que acreditam que a Terra tem apenas 10 mil anos e não 4,5 bilhões, e os tradicionais.

A loja do museu, que fica dentro de um castelo medieval cenográfico, deve ser outra atração disputada.

Estarão à venda vistosas gravatas com trechos da Bíblia estampados, jogos de tabuleiro sobre o dilúvio, camisetas anti-Darwin e uma série de DVDs “educativos”, como Fuga da Escuridão – Entenda como Evangelizar Aqueles que Caíram na Armadilha do Islã.

Ponto turístico

Looy espera 250 mil visitantes neste ano, no mínimo. A entrada vai custar entre US$ 10 e US$ 15 por pessoa. Pesquisas mostram que um museu como o da Criação pode mesmo se tornar um destino turístico de sucesso nos EUA.

Segundo levantamento de 2006 do Instituto Gallup, 46% dos americanos acreditam no criacionismo, ou na frase “Deus criou o homem em sua atual forma há menos de 10 mil anos”, enquanto 36% acham que Deus “guiou” o processo de evolução.

Apenas 13% acreditam que o homem é resultado de um processo evolutivo de milhões de anos, sem intervenção divina.

As escolas americanas têm sido palco de uma guerra entre evolucionistas e criacionistas há anos.

Em 1925, o professor John T. Scopes foi preso porque ensinou as idéias básicas da teoria de Darwin em uma escola do Tennessee, naquele que foi celebrizado pelo escritor H.L. Mencken como o “Julgamento do Macaco”.

Recentemente, várias escolas no Kansas, Ohio e outros Estados adotaram o criacionismo, ou o “design inteligente”, como uma forma alternativa de se ensinar a origem da humanidade.

Algumas colocavam adesivos nos livros de ciências, alertando: “Evolucionismo é uma teoria - não um fato - explicando a origem dos seres vivos”.

Mas os criacionistas, na maioria das vezes, têm sido derrotados na Justiça americana. Uma escola da Pensilvânia teve de parar de ensinar design inteligente após um tribunal afirmar que se tratava de religião,não de ciência. No começo de fevereiro, o Kansas também foi obrigado a eliminar o criacionismo dos livros escolares.

“Ensinar design inteligente nas escolas é como ensinar que a Terra é plana”, chegou a dizer o biólogo britânico e escritor Richard Dawkins.

O que está em jogo

Criacionismo: o movimento defende que a Terra e o universo foram criados como a Bíblia conta, palavra por palavra. Ao lado dos criacionistas estão os defensores do desenho inteligente, que atacam a teoria da evolução.

Darwinismo: conjunto de teorias baseadas nos trabalhos de Charles Darwin e Alfred R. Wallace, que indica um ancestral comum a todos os seres da Terra e a seleção natural, com a manutenção dos seres mais adequados ao ambiente em que vivem.

O embate: os criacionistas, e em especial os defensores do desenho inteligente, dizem que o darwinismo é cheio de falhas e que tudo não passa de uma “teoria”; contudo, até hoje não conseguiram provar que suas proposições – como uma idade de 10 mil anos para a Terra – estão corretas, enquanto a teoria da evolução já foi testada muitas vezes em cem anos.

Fonte: O Estado de S. Paulo, 25/2/2007.
Patrícia Campos Mello escreve de Washington.

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