terça-feira, 17 de março de 2009

Grupos conservadores conspiram contra ensino da teoria evolucionista nos EUA

A evolução, esta verdade estabelecida há quase 150 anos, promete transformar a volta às aulas nos Estados Unidos em setembro em mais uma guerra cultural, dessa vez ressuscitando uma polêmica enterrada em quase todo o mundo há décadas. Para horror de cientistas e políticos democratas, grupos cristãos conservadores estão entrincheirados numa batalha para mudar o currículo das aulas de ciência nas escolas públicas e criar ressalvas ao ensino da teoria da evolução, uma das mais bem fundamentadas teses científicas para explicar a origem da vida e a diversidade das espécies.

Um poderoso lobby unindo políticos conservadores, decanos de faculdades cristãs e grupos religiosos vêm botando na fogueira da intolerância religiosa o cientista Charles Darwin, que voltou a ser considerado um herege, como no tempo em que publicou um dos livros mais importantes da história da ciência, “A origem das espécies” (1859), provocando violenta reação de religiosos e conservadores.

Os porta-vozes dessa corrente sustentam a tese do “projeto inteligente”, segundo a qual os seres vivos são complexos demais para terem evoluído através de mutações aleatórias por uma seleção natural das espécies. Preferem achar que a responsabilidade da criação é de um projetista inteligente e querem que isso seja ensinado nas escolas americanas. Quem é o projetista? Eles não citam o nome de Deus, achando que isso dá ares mais científicos à tese, mas está implícito.

Estados já ensinam o criacionismo

Ações na Justiça, batalhões de advogados e artigos inflamados vêm sendo as armas de cientistas, professores e defensores dos direitos civis contra o que consideram um enorme retrocesso para a ciência nos Estados Unidos. Em Minnesota, Ohio e Novo México, o projeto inteligente já divide espaço com a teoria da evolução nas aulas de ciência. O lobby religioso está longe de se restringir aos estados mais religiosos e vem atuando com desenvoltura por todo o país: em 20 estados projetos de lei foram enviados às assembléias locais propondo que essa teoria passe a ser ensinada nas escolas, entre eles no cosmopolita estado de Nova York e no intelectualizado Massachusetts. Esses projetos, muitos dos quais estão para ser examinados nos próximos dois meses, ganharam um defensor poderoso há duas semanas: o presidente George W. Bush. Numa entrevista para repórteres do Texas, ele apoiou os grupos que defendem o direito de “ensinar a controvérsia”.

— Eu sinto que os dois lados devem ser devidamente ensinados. Assim as pessoas podem entender o debate. Eu acho que faz parte da educação expor as pessoas a diferentes escolas de pensamento — disse Bush.

A briga ganhou combustível novo com a intervenção do presidente dos EUA e chegou à capa da revista “Time”. Os religiosos cantaram vitória, a comunidade científica reagiu com indignação, o assessor científico da Casa Branca, John Marburguer, disse que o presidente foi mal interpretado e reafirmou que a teoria da evolução era a pedra fundamental da biologia. Para professores e cientistas “ensinar a controvérsia” parece uma palavra de ordem libertária, mas é a bandeira do atraso, pois dá tratamento de ciência à tese do projeto inteligente, uma versão ligeiramente modernizada do criacionismo, a explicação bíblica dada nas aulas de catecismo: Deus criou o mundo em seis dias e, no sétimo, descansou...

— Parece que esta posição é justa, mas criacionismo e projeto inteligente são pontos de vistas religiosos sectários. Não é justo privilegiar um ponto de vista religioso e achar que o outro lado é a teoria da evolução — diz Susan Spath, porta-voz do Centro Nacional para a Educação da Ciência, uma combativa ONG com 55 mil membros, cujo foco tem sido lutar contra essa mistura de religião e ciência.

A União das Liberdades Civis vem entrando com ações na Justiça argüindo o princípio da separação entre a Igreja e o Estado, garantido pela Primeira Emenda e reafirmado pela Suprema Corte em 1968 e 1987, quando alguns estados quiseram incluir o criacionismo no currículo escolar. Mas desde a chegada de Bush à Casa Branca os grupos religiosos que apóiam o governo vêm aumentando sua influência no país, voltando a propor restrições à teoria da evolução e dando ares de ciência ao velho criacionismo. Numa pesquisa do Instituto Gallup, 54% dos entrevistados disseram não acreditar que o homem tenha um ancestral comum ao macaco, um aumento considerável em relação à década passada, quando eram 45% os céticos em relação ao evolucionismo de Darwin. Só em três meses desse ano, dez projetos de lei pretendiam mexer no conteúdo das aulas de ciência: no Mississipi, por exemplo, a lei propunha dar tempos equivalentes ao ensino da teoria da evolução e do “criacionismo científico”. Na Carolina do Sul, a proposta era investigar alternativas à evolução. No Alabama, dois projetos pretendiam que as escolas tratassem de maneira crítica as análises das origens do ser humano. O Centro Nacional para a Educação da Ciência listou 40 iniciativas de conselhos escolares para incluir ressalvas nos textos escolares advertindo que a teoria da evolução não estava comprovada ou incluindo o projeto inteligente nos currículos.

Polêmica seria atraso científico

Semana passada criou-se nova comoção quando a Universidade de Harvard anunciou um projeto unindo químicos, biólogos e físicos para reexaminar as bases científicas da teoria da evolução. Rapidamente o porta-voz da universidade explicou que se tratava de um estudo de longo prazo sobre a base molecular do início da vida, mas os conservadores interpretaram o trabalho como uma prova de que a teoria da evolução não explica tudo.

— É uma surpreendente admissão de que as teorias atuais não explicam a origem da vida — disse John West, do Instituto Discovery, de Seattle.

— Isso tudo envia uma mensagem. Enquanto outros países correm para obter a liderança tecnológica e científica, os EUA se distraem com essa pseudo-questão. Se eu fosse a China estaria feliz — disse à revista “Time” o diretor executivo do Centro Nacional para Educação da Ciência, Guerry Wheeler, citando a proibição da pesquisa com células-tronco e as recentes falhas no ônibus espacial Discovery como indícios do declínio científico americano.

Fonte: O Globo / Helena Celestino


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